terça-feira, 11 de setembro de 2007

RECORDAR É VIVER - O texto abaixo, escrito em 17 julho de 2005 , mostra como tudo começou a ficar quase transparente...
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De Josef Stalin a Lula da Silva

* Por Rodrigo Marinheiro

O PT se diz um partido de esquerda democrático, inspirado nos revolucionários que conquistaram Cuba, e com os pensamentos oriundos de Antonio Gramsci, Karl Marx e Vladimir Lênin. Nossa esquerda democrática seguia a filosofia de Marx, onde tudo era lícito, desde que o dolo fosse empreendido em prol da “emancipação da classe operária”. Só que o poder cegou o Partido dos Trabalhadores. Quanto maior o poder, maior a ganância. Para o PT se perpetuar no governo, esqueceu a democracia e começou a agir como em um “stalinismo de resultados”, ironicamente lutando contra o próprio poder já conquistado. O Legislativo virou escravo do Executivo na política instalada no Planalto. Não podemos aceitar que Lula e seu governo se passem por vítimas de conspirações ou preconceitos. Assim como ocorreu com os burocratas da antiga União Soviética, o PT espera que a justiça não impere contra eles.

Bendito seja o empresário Arthur Wascheck - um dos sócios da Comercial Alvorada de Manufaturados (Coman) especializada em participação de licitações públicas - que pagou para Jairo Souza Martins, ex-agente da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), se passar por falso empresário e gravar um vídeo onde o ex-diretor de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, foi flagrado ao receber uma propina de R$ 3 mil e afirmar agir sob comando do então presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).

Massacrado pela imprensa e sem encontrar apoio no governo, Jefferson, como quem não tinha mais nada a perder, se tornou a metralhadora giratória de Brasília ao anunciar o esquema do “mensalão”. Mas o que é o “mensalão”? Vejamos: Lula foi eleito com uma votação bombástica, mas no Congresso só detém 20% dos deputados. Estes são fundamentais para aprovar o que interessa ao Governo. Em dois anos e meio no poder, o PT aumentou o número de cargos comissionados no Governo para obter maioria no Congresso. Este tipo de barganha é absolutamente legal, mas agora temos ciência sobre a compra de deputados através de uma mesada, o “mensalão”, que é absolutamente ilegal.

Sabemos que é generalizado, independente do partido, o emprego de cotas não registradas pela Justiça Eleitoral. Caixa dois sempre existiu no Brasil, esta prática existe desde os tempos de D. Pedro. Como disse Roberto Jefferson; “É uma questão geral. O PSDB também trabalha com caixa dois nas eleições". Para os que não recordam, Fernando Henrique Cardoso foi denunciado pelo repórter Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, no caso “Senhor X” – onde deputados foram comprados pela bagatela de US$ 200 mil para votarem a favor da emenda que garantia o poder de reeleição à FHC.

É verdade que não se pode crer piamente no que diz este deputado, mas até agora as investigações da CPI e da imprensa aferem confiabilidade às acusações do petebista. Para que minha afirmação não pareça algo vago, vamos recapitular:

· Jefferson importunou José Dirceu, sugerindo ao ministro sair do Planalto. Dirceu saiu.
· Depois, Jefferson colocou em maus lençóis o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, sócio das agências SMP&B e DNA, que se complicou ao tentar se explicar.
· Paralelamente, Jefferson insinuou que as mesadas vinham em malas e milhões. A Coaf (que controla atividades financeiras) evidenciou as retiradas milionárias.
· Jefferson contou sobre uma "salinha" próxima à do presidente. E por sua vez, o próprio Valério admitiu ter freqüentado o Planalto.
· Para terminar, Jeffersson afirmou que caixa dois de Furnas Centrais Elétricas S.A. (concessionária de serviço público Federal) engorda propinas do PT com R$3 milhões por mês. O governo federal afastou de suas funções três diretores da estatal até o fim das investigações.

Quando Collor caiu, o principal carrasco foi o próprio irmão, respaldado por um motorista e uma secretária. Celso Pitta sofreu denúncias da ex-mulher. Quando FHC decidiu comprar votos para se reeleger, os "aliados" o delataram. Ou seja, não podemos denegrir o delator pelos motivos que o levam a acusar ou pelo que ele é. A imprensa é o principal detergente desta sociedade, através do nosso trabalho estes mistérios sombrios serão desvendados e a verdade virá à tona. Nós precisamos nos apegar aos fatos, e estes sussurram em nossos ouvidos a frase “just follow the money”, ou seja, é elementar meu caro Watson, quem seguir o dinheiro da corrupção no Brasil chegará ao Palácio do Planalto!

Por falar em dinheiro, enfim surgiu de forma concreta o famoso “espetáculo do crescimento” prometido por Lula, afinal, só um milagre explica de forma convincente a espetacular relação do publicitário Marcos Valério com alguns bilhões de reais. Valério tentou explicar que sacou quantias excessivas no Banco Rural porque é pecuarista e existem “fazendeiros que simplesmente não aceitam cheque em negociações de compra e venda de gado”. No entanto, representantes de entidades ruralistas zombaram a versão do publicitário e afirmam que o montante sacado em cash (R$20,9 milhões) é o suficiente para comprar 40 mil cabeças de gado, o que faria do “pecuarista” Marcos Valério um dos maiores nomes no ramo de bovinos, e não um desconhecido no cenário nacional. Valério disse em depoimento a CPI que não era nada mais do que amigo do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do ex-secretário-geral do partido, Sílvio Pereira. Em contraponto, devido investigações, Delúbio teve de confirmar que junto com o então Presidente do PT, José Genuíno, assinou documentos que tornaram Valério, de simples responsável por contas de órgãos governamentais, o credor do PT. Segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) Valério foi o portador da mala com R$ 4 milhões em notas sacadas do Banco Rural, doadas pelo PT, para a campanha eleitoral do PTB no ano passado. E o pior, a ex-secretária do publicitário, Fernanda Karina Somaggio, afirmou à CPI dos Correios que sabe sobre encontros de seu ex-chefe com a cúpula do PT em Brasília, e que o caminho das pedras está traçado na agenda que usava enquanto secretariava o acusado.

Um dos membros da cúpula do PT em Brasília que foi visitado por Marcos Valério certamente foi José Dirceu, que deveria ter deixado a Casa Civil na época em que o ex-assessor do Planalto Waldomiro Diniz foi acusado de extorsão, corrupção passiva e gestão fraudulenta. Caso esse que ainda precisa ser investigado. Como os fins justificam os meios, afirmo que José Dirceu atentou contra a democracia sendo o mentor do “mensalão” para os deputados do PTB e PFL. José Dirceu sai do governo como um perdedor. Deixou o cargo sob denúncias gravíssimas e terá de encarar uma Câmara dos Deputados em maioria opositora graças aos inimigos que colecionou enquanto ministrou a Casa Civil. E como desgraça pouca é bobagem, a ex-ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, que ocupa o lugar de Dirceu na Casa Civil, disse ter ficado impressionada com a baixa capacidade da maioria dos secretários e com a escassez de projetos daquele Ministério.

Enfim surgiu um bode expiatório, um elemento que seria mais perigoso à sociedade do que PC Farias, o então tesoureiro do PT Delúbio Soares. Meus caros leitores estejam certos de que um tipo como Delúbio não é capaz de armar tudo sozinho e nem tem a responsabilidade inicial. Ele não teria condições representativas e nem pessoais para tanto. É evidente que o cínico, ou desmemoriado, ex-presidente nacional do PT, José Genoino, e os demais integrantes do grupo operador da Presidência agiram em conjunto, principalmente o secretario de Comunicação Luiz Gushiken (secretário porque a Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica perdeu o status de ministério com os escândalos e agora é subordinada à Casa Civil), que utilizou a publicidade oficial como uma das chaves desta engrenagem. Genoino escreveu no dia 1° deste mês que: “O Brasil está sendo assolado por uma onda de denúncias vazias e irresponsáveis”. No entanto, de vazio nesta história só existe o discurso petista que ao invés de se adiantar às investigações e divulgar informações essenciais a CPI, prefere mentir e ocultar. O PT, que sempre se apresentou como um partido defensor da ética, esqueceu a própria tradição histórica e só se preocupa em destruir as acusações de Jefferson.

Mas e o líder desta República, o presidente? Bom, no dia 7 de junho enquanto discursava no Fórum Global contra a Corrupção, o presidente Lula afirmou ser o único guardião das instituições brasileiras. Declarou também que não protegeria nenhum dos seus e nem defenderia qualquer ilícito. Desde então, a crise se agravou. Após a instalação da CPI dos Correios, as investigações, tanto parlamentar quanto jornalística, tomaram vida própria. A cada dia que se passa se descobre uma nova apropriação do dinheiro público. Não consigo imaginar até quando o Brasil é obrigado a achar que Lula está acima do bem e do mal, que ele nunca erra! Cá entre nós, pouco importa se Lula sabia ou não, de qualquer forma é uma decepção. Esta é a falência da dignidade dos petistas e da política brasileira, uma vez que os outros partidos faliu faz tempo.

A reação do Planalto à crise vem se arrastando apesar do conjunto de decretos criados por Lula com intuito de combater à corrupção. Neste pacote de leis todos os ministérios terão corregedoria ligada a Controladoria Geral da União (CGU) e será crime, com pena de até oito anos de prisão, o enriquecimento ilícito. A novela da reforma ministerial chegou há nove meses. Agora que a situação do governo está difícil e com destino incerto, Lula se jogou nos braços do PMDB, já que precisará do partido para se reeleger em 2006. No entanto há quem diga que os peemedebistas irão com candidato próprio na próxima eleição presidencial. No final de 2002, enquanto montava a equipe de ministros, Lula rejeitou a proposta de José Dirceu de oferecer dois lugares ao PMDB. Não queria se misturar com aquele partido. Para que o PMDB entrasse mais no governo justo no momento em que o caldo começou a entornar, Lula acabou sentando no colo de alguns líderes daquele partido e ofereceu uma espécie de governo de coalizão, formado com Hélio Costa nas Comunicações, Saraiva Felipe para Saúde e Silas Rondeau - presidente da Eletrobrás - para Minas e Energias. Apesar do apoio do senador José Sarney (PMDB-AP) e do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) para ocuparem as pastas, Hélio e Saraiva devem ser expulsos do PMDB segundo o presidente da legenda, Michel Temer (SP). Em retaliação as nomeações de Lula, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, afirmou que “Lula deveria buscar apoio na sociedade, não em partidos políticos”. Já a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, alfinetou todo o Planalto ao declarar que “o PMDB não serviu para ser parceiro lá atrás, então não seremos cúmplices agora”. Esta crise de identidade no PMDB mostra que as bancadas do partido no Congresso devem continuar na base aliada, enquanto as demais estruturas peemedebistas no país constroem caminho próprio para 2006.

Sem encontrar apoio em outros partidos, sobrou aos corruptos acusar de perseguidores e golpistas aqueles que os combatem e denunciam. Os petistas se dizem vítimas de uma conspiração política, enquanto os fatos revelam que eles são formadores de quadrilha. Infelizmente hoje, mais de 53 milhões de Brasileiros que votaram em Lula tem certeza que o Presidente e o PT chegaram ao poder em meio a muita promessa e nenhuma concepção concreta.

Para solucionar esta triste história é preciso impedir que o Planalto continue evitando uma CPI mista. É preciso juntar a CPI dos Correios, a CPI dos Bingos e a CPI do “Mensalão” em uma só: a “CPI da Corrupção”, com subcomissões temáticas, averiguando cada denúncia e concentrando as conseqüências num mesmo relatório final. O esforço destas três CPIs deve ser conjunto, mesmo porque muitos nomes de depoentes se repete. Após se fazer esta “CPI da Corrupção” será necessário extinguir os excessivos cargos de confiança, tornar obrigatório a divulgação dos orçamentos e fazer com que a fidelidade partidária seja obrigatória para todos. Só assim nosso país passará a caminhar, ao invés de perambular. No Brasil nós corremos o risco da necessidade de fazer o dicionário “The famous last words”, repleto de falsos acordos morais e juramentos – como aquela promessa do ex-presidente Fernando Collor de Mello logo após ser empossado: “Irei moralizar a política, dar fim a inflação e acabar com os marajás”. Quanto sarcasmo...

Além de conhecer a história de nosso país, conheço Brasília, tenho amizade com pessoas que nasceram naquela cidade e outras que lá residem. Por isso tenho arbitrariedade o suficiente para afirmar que na capital de nosso país existem dois tipos de pessoas; as que trabalham e as que dão trabalho. Ainda não é voz corrente, mas há quem afirme que por lá não existem culpados porque ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

É justo que o réu seja inocente até que se prove o contrário, mas infelizmente no Brasil nunca se prova nada. A exclusiva certeza é a desconfiança do povo: “O que é mentira? O que é verdade?” Sem dúvida é complicado responder a esta questão porque aqui os políticos mentem em nome de uma verdade maior, eles mentem por amor ao espírito cívico! Vejo que o tempo dos mocinhos e bandidos acabou. A única veracidade neste vertiginoso País de realismo surpreendente é uma frase do saudoso Nelson Rodrigues: “Em Brasília não há inocentes, todos são cúmplices...”.
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*Rodrigo Marinheiro é produtor do jornalístico Repórter Record da Rede Record de Televisão.


“As opiniões expressas pelo articulista não necessariamente refletem as opiniões da empresa onde ele trabalha.”

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