quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Jornalismo transformativo

Produtivo x improdutivo

Realizei esta entrevista com Edvaldo Pereira Lima para a minha tese de doutorado - "O Eixo da Incompreensão: A Guerra Contra o Iraque nas Revistas Semanais Brasileiras de Informação" - defendida na Escola de Comunicações e Artes da USP em maio de 2004.

Dimas Künch - Edvaldo, você escreveu que "o tempo passa, a gente amadurece. Depois da fase do primeiro fascínio, uma questão pungente foi rondando minha mente, até explodir, clara como a manhã quente num dia de verão". E então, apoiando-se no psicólogo e educador Dante Moreira Leite, você distingue entre "pensamento produtivo" e "pensamento destrutivo" na produção jornalística. Como entendermos isso?

Edvaldo Pereira Lima - É óbvio, em primeiro lugar, que a comunicação de massa e sua produção intelectual produz efeitos nos receptores. Esses efeitos, de forma consciente ou não, existem e se manifestam. E se a pessoa tem alguma fragilidade cultural, intelectual ou psicológica, está mais sujeita à componente negativa dessa influência. É fácil perceber que o jovem profissional de comunicação se sente atraído pela área, muitas vezes, pelo fascínio que a comunicação de massa exerce, e entre as manifestações da comunicação de massa estou incluindo o jornalismo. Há um fascínio pelo glamour que a coisa representa, e facilmente se deixam de ver os efeitos do que fazemos, das mensagens, do sistema de comunicação de massa como um todo.

Pode-se procurar alguma sustentação para esse tema dos efeitos, por exemplo, na psicologia, em Dante Moreira Leite, que foi psicólogo, educador e professor da USP. Ou em propostas até mais arrojadas, como a do consciente e do inconsciente coletivo, de [Carl Gustav] Jung, e dos campos morfogenéticos, de Rupert Sheldrake. É possível, com essa sustentação, entender a possibilidade desses efeitos negativos de modo bastante aceitável, dentro de um pensamento bastante sólido.

Preocupado com a questão de que a produção intelectual, a produção cultural provoca efeitos, Dante Moreira Leite, analisando a literatura de ficção, chega à concepção de que esses efeitos podem ser de dois tipos. Um é o que ele chama de "pensamento improdutivo": é aquela obra de arte que, por exemplo, analisa ou trata de uma situação dramática, trágica, ou coisa assim, e que simplesmente disseca o assunto trabalhado, detecta até com certa acuidade um problema e não dá um passo adiante. Na literatura de ficção, que é o campo analisado por Dante Moreira Leite, há inúmeros títulos ou trabalhos que são assim: detectam um problema qualquer da vida humana ou social, tentam analisar esse problema e não encontram alternativas para ele. O máximo que fazem é mapeá-lo.

DK - Reside aí, digamos, a energia, o estímulo negativo.

EPL - Sim, porque nenhum estímulo intelectual é neutro. Todo estímulo provoca algum efeito em você. Se a leitura de uma obra de arte é negativista, pesada, só detectando os aspectos não solucionados das situações humanas, ela tende a gerar no receptor uma atitude condizente com o que leu, uma atitude de que não há solução, de que o mundo é cruel, de que o ser humano é limitado e não consegue resolver os seus pepinos.

Transpondo agora isso para a comunicação de massa como um todo, cujo impacto, pelos instrumentos de que se utiliza, pela sua força de persuasão e pelo seu alcance, é muito maior, ouso dizer que essa comunicação de massa também pode gerar o chamado pensamento improdutivo no receptor. Falo da incapacidade de o receptor retirar, da mensagem colocada ao seu dispor, uma leitura transformadora.

DK - E o "pensamento produtivo"?

EPL - Como vivemos num mundo dual, de polaridades, Dante Moreira Leite encontra na literatura produções de outro extremo, daquilo que ele chama de "pensamento produtivo" ou criativo. São obras de arte que podem também, como no caso das outras, focalizar alguma situação difícil da vida humana ou social, podem analisar e mapear os problemas, mas encontram, ali atrás, uma catarse, uma força transformadora. Não se detêm no nível da constatação analítica, que é o que faz a comunicação geradora do pensamento improdutivo.

Ao produzir uma obra de arte voltada para o pensamento produtivo, você realiza isso que os gregos, na dramaturgia antiga, chamavam catarse, isto é, um novo entendimento, um resignificado, uma nova visão da situação, que lhe permite manter um certo grau de autonomia diante do problema e transformá-lo, ainda que dentro de você, em sua percepção do mundo.

Observando a produção da comunicação de massa, e do jornalismo nesse contexto, é fácil perceber que uma boa parte dessa produção focaliza muito mais o lado do pensamento improdutivo. Pegue o "Jornal Nacional", da Globo, em horário nobre da televisão brasileira: um grande número das notícias veiculadas tem a ver com polícia, violência, corrupção. Mostram o lado podre, destrutivo, sombrio da sociedade contemporânea.

Não que o jornalismo não deva exercer a sua função de fiscal da sociedade, que não deva investigar. O jornalismo deve fazer isso. O que deve ser criticado é o exagero da mídia nesse tipo de produção. O volume de matérias que podem ser enquadradas no conceito de pensamento improdutivo é muito alto. O que significa dizer que o volume de matérias ligadas à idéia de pensamento produtivo, conseqüentemente, é muito pequeno.


Dimas A. Kunsch
* Doutor em Ciências da Comunicação pela USP,
professor universitário e editor de livros.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse nosso professor é o bicho mesmo.

Anônimo disse...

bom comeco