. - No Discurso sobre o Método, Descartes adota uma moral provisória - pois a ação não pode esperar que a filosofia cartesiana engendre uma nova moral! Recordemos seus três preceitos:
a) Submeter-se aos usos e costumes de seu país.
b) Antes mudar os próprios desejos que a ordem do mundo e vencer-se a si próprio do que à fortuna.
c) Ser sempre firme e resoluto em suas ações; saber decidir-se mesmo na ausência de toda evidência, à semelhança do viajante perdido na floresta que, ao invés de ficar fazendo voltas, adota uma direção qualquer e nela se mantém! (O cartesianismo, antes de ser uma filosofia da inteligência, é uma filosofia da vontade).
2. - É certo que a moral definitiva de Descartes não apresenta uma unidade perfeita. Influências estóicas, epicuristas e cristãs estão presentes nela. Mas, na realidade, essa complexidade reflete a própria complexidade da condição humana. Na plano das idéias claras e distintas, Descartes separa claramente as duas substâncias, alma e corpo: a essência da alma é pensar; a do corpo é ser um objeto no espaço. E no entanto, o pensamento está preso a esse fragmento de extensão. A alma age sobre o corpo e este age sobre ela. (Para Descartes, o ponto de aplicação da alma ao corpo é a glândula pineal, isto é, a epífise.) Mas isso não esclarece a união da alma e do corpo, que é um fato de experiência, puramente vivido e ininteligível.
Na medida em que Descartes considera o homem no que ele tem de essencial, enquanto espírito, ou quando se ocupa do composto humano, sua moral assume aspectos diferentes:
a) Consideremos o homem enquanto espírito, enquanto liberdade: o valor supremo é a generosidade. "A verdadeira generosidade que faz com que um homem se estime, no ponto máximo em que ele pode legitimamente estimar-se, consiste, em parte, na consciência de que nada lhe pertence verdadeiramente, exceto essa livre disposição de suas vontades... e em parte no sentimento de uma firme e constante resolução de bem usá-la, isto é, de nunca lhe faltar vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar melhores, o que é seguir a virtude perfeitamente".
b) Se considerarmos o homem enquanto espírito unido a um corpo, somos obrigados a levar em conta as paixões, isto é, a afetividade em sentido amplo. Paixão é, para Descartes, tudo o que o corpo determina na alma. E Ele, que nada tem de asceta, acha que devemos antes dominá-las do que desenvolvê-las. Isso porque ele se coloca do ponto de vista da felicidade. O bom funcionamento do corpo, as ligações harmoniosas entre os espíritos animais e os pensamentos humanos são altamente desejáveis. A moral surge, então, como uma técnica de felicidade e, nessa técnica, a medicina desempenha importante papel. A moral surge aqui como uma aplicação direta ao mecanicismo cartesiano.
René Descartes
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
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